Ela
foi durante um bom tempo, uma espécie de doença em mim. Não conseguia esfregar
da minha pele a pele dela. A voz dela sussurrava em meus ouvidos quando eu
queria dormir, me atrapalhava o banho, me tirava a paz. O cheiro dela estava de
tal maneira impregnado em minhas narinas que não havia, meu deus, outros
cheiros no mundo. Seus olhos pareciam que olhavam o tempo todo nos meus olhos,
me impedindo de ver qualquer outra coisa que não fosse ela. Estava eu tão
embriagada dela, que meu corpo inteiro estava intoxicado. Ao descaso dela por
mim, parecia que o torpor do tempo em que nos partilhamos – mal e
desequilibradamente, diga-se de passagem e com crudez – me envolvia em uma
noção fantástica de uma realidade que não condizia com a imagem que eu fazia
dela. Essa mulher cuspiu em mim inteira. Lambuzou-se com meu corpo, rodopiou em
meu coração com sapatilhas finas e pontiagudas, fez-se ausência e presença a
seu bel prazer e vontade. E compartilhava com graça a vida com outras pessoas
enquanto recusava-se a sequer reconhecer a minha existência no mundo. Por ela,
aprendi outra espécie de dor: a dor de se sentir usada, de compreender que há
vezes em que não reconhecemos o mal que pulsa diante de nós. Mas mesmo sendo
ela doença em mim, eu sempre me agarrei a esperança da cura: nunca sucumbi à
ausência que ela me impunha. Nunca rastejei no silêncio com o qual ela me
castigava. Apenas cuidei de mim e me ocupei. Deixei que o tempo me fosse
companheiro. Por muitas vezes quis bradar justiça. Lhe xingar todos os nomes.
Lhe atacar todos os verbos. Lhe impugnar a dor de um espelho. Mas não o fiz.
Não quis devolver o feio que ela deixou em mim. Sei limpar a sujeira de mim com
amor e zelo. Ao fim, ela tornou-se uma dessas histórias que se conta em velhice
aos netos que sofrem desamores: meu bem, amor não é doença: amor é colo
quentinho e abraço apertado e presença, presença, presença.
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