Era tarde da noite. Eu já tinha xingado o universo inteiro dentro de mim. Já tinha me convencido a morrer. Depois já tinha me convencido a viver. Já tinha me convencido a nunca mais amar. E depois tinha tido compaixão de mim mesma e tinha chegado a um consenso de pelo menos amar quem soubesse me amar também. Tínhamos eu e eu chegado finalmente a alguma paz e decidimos, pelo meu bem comum, deixar de devaneios e colocar um filme na Netflix para fechar aquela semana de desgraças e lutas internas.
O filme já ia pelo meio e eu já tinha conseguido algumas risadas bestas, sem ter que pensar nada, olha que maravilha! Foi quando a notificação do celular chegou. A minha primeira reação foi olhar o horário no cantinho da tela do notebook. Era tarde já. Hum. Peguei o celular no criado mudo e a mensagem era dela. Dela. Depois de tantos silêncios, depois de tanto bater de ombros, depois de tanta coisa a ser dita e que nunca foi, chega na mensagem um tímido e cara de pau: "Oi, tudo bem?".
Eu fiquei olhando para a mensagem um bom par de minutos. Que merda. O sábado estava em paz. Eu já tinha duelado comigo e chegado a um consenso temporário. A bandeira de paz já tinha sido exaustamente erguida, ainda que a guerra iminente permanecesse à espreita. Aí vem a irresponsabilidade daquela mensagem no meio da madrugada. Que merda. Olha, eu não sou uma pessoa simples, não. Não sou. Há tantas camadas em mim que eu mesma não desbravei ainda nem um décimo de mim. Sou como o oceano naquelas matérias que dizem que cerca de 90% do seu solo ainda não é conhecido. Coloca no google. Está lá dito. A galerinha conhece mais o solo lunar do que o fundo do oceano. Pois então. Aí me vem a mensagem: "Oi, tudo bem?". "Oi, tudo bem" é o cacete! Se vai me escrever, se vai aparecer depois de tanto tempo e de ter me desarrumado tanto, ao menos apareça com o mesmo chafurdo que me causou. Chegue dizendo algo como:
"todos os dias se passam com a sua presença em mim. em nenhum momento me liberto da falta que você me faz. eu acordo te sacudindo de mim. tomo café te expulsando da mesa. vou para o banho pedindo que você, por favor, saia dali. me visto te vendo me pedir para que não se vista. vou para o trabalho ouvindo a tua voz dizendo: 'não dá para ficar em casa hoje?'. eu chego ao fim do dia e a casa tem um vazio impreenchível porque não tem você. eu vou dormir com lágrimas às vezes, porque é o único molhado que me resta desde que te perdi. e nas vezes que eu não choro é a tua falta que ainda ainda me embala até que o cansaço de não te ter mais me vença e me faça dormir."
Aí olho para o teu "oi, tudo bem?" e tudo o que eu sinto é um incômodo desconcertante e agitado. Parece que ainda não foi desta vez que você compreendeu o que sente por mim. E eu, meu bem, já não quero mais nada além de um amor assumido.
O meu amor eu passo a mão da cintura, dou um xêro no cangote e cochicho no pé do ouvido na reunião de família. Que amor bom é amor declarado.
Mas era tarde e eu já tinha me oferecido paz.
Então, respirei fundo e respondi "Oi. Aqui tudo bem. E contigo?"
E, claro, nunca mais ouvi de ti.
Porque não há cordialidade no mundo que consiga dar conta de um amor que não se assume ser.
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