quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Meu amor, vem cá

 Meu amor, vem cá. Sei que você não está bem. Há um cansaço antigo em ti, eu sei. Você é teimosa, é resiliente. Sai buscando o belo em cada coisa com uma persistência louvável. Sei disso. Sei que há uma vida aí latente em ti. Que pulsa em desespero por se libertar. Por viver algo que ainda te falta. Eu sei, meu amor, sei que a vida não tem sido simples. E me dói saber que não estou perto de ti para te abraçar, para te fazer cafuné na cabeça e te dar beijinhos no rosto te dizendo também teimosamente que tudo vai passar. Meu tempo perto de ti já foi. Já existem outras dimensões entre nós. Mas permaneço te olhando, te amando de longe (o que é o longe senão um conceito abstrato?), te suspirando no ouvido para você sorrir, para você não desistir.


Sei que o mundo é cru demais. Agora que estou aqui do outro lado percebo tudo melhor. Somos tão pequenos diante da vida! E, ainda assim, é tão fenomenal que cada um de nós acorde todos os dias com a teimosa crença de que tudo dará certo no final. Somos de fato o belo que pulsa. Você, meu amor, é uma das mais belas. Suas intenções são sempre boas. E houve o tempo em que não havia malícia alguma em ti. Hoje você está cansada, eu sei. E teve que aprender que nem sempre o bom existe, que às vezes coisas más acontecem com quem está apenas tentando acertar. Que há sim pessoas que saem de seus caminhos para prejudicarem outras. Vi tudo. Te observei em cada desilusão, meu amor. Sofri junto à medida que teu mundo cor de rosa foi ganhando traços cinzas.


Mas é por isso que estou aqui sempre perto de ti. Para que você não esqueça. Não esqueça, meu amor. Que há sim ainda vida a ser vivida! Há sim ainda muitos sorrisos a esperar por ti, meu bem. Há sim coisas boas no dobrar da esquina. Não deixa que o teu cansaço te turve tanto a visão. Sei que está difícil encher o peito de ar com abundância, sei que você tem cumprido suas responsabilidades apenas. Sei que há algo que te escapou. Um quebrado em ti que você já não sabe como remendar. Eu sei, meu amor, que teu coração sensível pulsa em dor.


Mas aprendi sobre o tempo. Essa malha contínua que envolve a todos nós e que nos conecta em diferentes dimensões. O tempo nos movimenta, meu amor. O tempo lava feridas com a mesma teimosia que lhes compõe. Porque ele passa, e passa em nós e por nós, tudo o que dele advém também passa, meu bem.


Estou ao teu lado agora. Você está sentada nua embaixo do chuveiro chorando. É uma mania sua: chorar escondida. Chorar embaixo d'água. Como se não te fosse permitido ser afetada. A vida nos afeta, meu amor. É essa a função dela. Eu já não tenho corpo para te abraçar mas meu abraço agora é luz e energia. E me enrolo toda em ti. Até que não me precises mais, estarei aqui. Mas saiba: é breve este tempo.


Porque não sou eu quem te salvarei. É a tua teimosia. Já sei do futuro. E é a tua teimosia o caminho para a tua redenção. Por ora, chore sim, meu bem. A tua própria água te lava. Os teus próprios pés te caminham. Não precisa ter medo do amanhã. Ele virá forte e te trará lindos abraços e sorrisos. E eu já não serei mais necessária. Mas meu amor seguirá no teu sorriso. E minhas dores terão-se ido com as tuas. E estaremos nós duas sempre conectadas pelo tempo em que nossos corações pulsaram juntos. Vem cá, meu amor, que o amanhã já já chegará.

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