quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Ridículas

Eu hoje acordei pensando em ti. Cinco anos se passaram já. Mas ainda sinto o teu cheiro, o teu caos, o teu cabelo grudado em mim. A nossa confusão de pernas e mãos e línguas e bocas e suor. Às vezes preciso fechar os olhos para não te ver. Porque você pulsa aqui em mim ainda tão vívida e ainda tão forte que parece que nunca foi embora. Olho o meu cigarro sozinho no cinzeiro e me parece que as cinzas são sempre insuficientes. E lembro das gargalhadas estúpidas de nós duas em apostas ridículas e insignificantes que levavam o tempo nas costas e faziam as horas rodar em ciranda. Da cama cheia de livros dos textos que discutíamos. Dos meus óculos misturados aos teus numa cegueira tão previsível, meu deus, que era como palavra conhecida na boca. E quando o vizinho tradicional vinha de praxe reclamar do barulho, por trás do olho mágico da porta me vem a lembrança do nosso "zerinho ou um" para ver quem iria agora falar com ele. A gente se divertia, viu! A Maria Bethânia está aqui declamando o Fernando Pessoa e eles estão dizendo que toda carta de amor é ridícula. Pois não haviam duas mais ridículas que nós, baby. Esse livro da ridicularidade fomos nós que escrevemos. Em meio aos uísques no meio da noite e as pontas de cigarro no jardim e a lua vestindo a nossa nudez. Tem vezes que eu imagino a gente dentro de um filme do Bergman: bagunçadas, incompletas, fragmentadas, humanas demais para que houvesse algum sucesso em nosso amor. Mas a Bethânia está aqui nos chamando de ridículas e eu concordo com ela: ridículas. Tão ridículas que é ainda o teu absurdo que eu carrego em mim.

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